sexta-feira, julho 06, 2007

O Aniversário

Dia 27: Queres um café?

6 de Julho de 2007. São as 14:43. Ainda não são as três. O vôo das doze desde Barcelona, invariavelmente atrasado, foi hoje a excepção que confirma toda a regra. Será a primeira vez em 5 anos que passarei o seu aniversário em casa. O café Santa Cruz é o ponto de encontro. Não podia concordar mais com a escolha. A par do Majestic, d’A Brasileira, do Martinho da Arcada, o Santa Cruz é um desses bastiões que vão resistindo contra os pubs, os fast food, a vida stressante do “corre corre”.

São as 14:44, entro decidido a pedir uma Super Bock, será um bálsamo de frescura para aliviar os 33 graus que se fazem sentir nas ruas da Baixa. Tudo continua igual, os vitrais de inícios do século passado, toda a iconografía de cariz cristão, como não?!... o cordeiro, a flor de lótus, o sol e a lua continuam ali, ano após ano, ora admirados, ora ignorados. Escolho uma mesa cêntrica, ladeada, à direita, por um reformado e o neto, à esquerda, um magala que passa os olhos pelas páginas d’A Bola, “Quaresma sucessor de Futre” pode ler-se na portada.


“Sabes André!” diz o avô do André – “…o tal Kaldi viu que as suas cabritas ficavam mais espertas ao comer os frutos do cafeeiro. Assim ele também os quis experimentar e reparou que ficava mais acordado pelas noites. O pastorito e as suas cabritas viviam numa terra que se chamava Kaffa, e por isso se chama café (acentua a primeira sílaba Cá-fé) aos grãozitos daquela planta”. A lenda que conta o velho não está de todo correcta, já que a origem da palavra café, vem do árabe qahwa, que significa vinho, mas o André parece satisfeito com a versão do avô. Pronto! A Super Bock acaba de ser substituída por um café. “Uma bica por favor!” reclamo ao empregado de mesa, que nem me tinha visto ainda, afinal, a ida do Quaresma para o Atlético de Madrid é mais importante. A palavra "bica" fica a ecoar na minha cabeça, como a voz do empregado de mesa nas abóbodas do Santa Cruz ... apesar de ser maior a proximidade do Porto que a de Lisboa, em Coimbra a terminologia cafeeira é a mesma que a da capital. O cimbalino é uma bica, e o pingo soa garoto - esse detestável cortado, que os espanhois tanto gostam.

“Aqui tem o seu cafezinho.” diz-me com simpatia. "A cultura portuguesa pasa pelo café. Os portugueses sabem beber café", comentava noutro dia nas páginas de um jornal Jaime Soares da Silva, o dono d’A Brasileira. Palavras sábias. Não é o mesmo pedir uma bica, um carioca ou uma italiana, e tampouco é o mesmo beber uma bica, um carioca ou uma italiana… e isso do garoto é para os miúdos (ou para espanhois) que não devem beber café, é uma espécie de café para garotos. Que saudade tinha deste sabor amargo, assim sem açucar… isso de adicionar açucar só poderia ter sido invenção dos Franceses mesmo, lá para o reinado de Luis XIV. Pela textura diria que o café é marca Delta ou Sical, o logotipo da bahiana na xícara desfaz-me a dúvida.

“…os árabes, e depois os portugueses, espanhois e ingleses levaram o café para todo o mundo…” continua o avô do pequeno André, que a estas alturas, já não parece muito interessado no tema, e concentra toda a sua atenção num pastel de nata que come com uma colher pequena.

São quase as três. A esplanada está repleta de turistas. O mesmo cenário, o Santa Cruz, mas com actores diferentes. Aquelas paredes, otrora testemunhas das tertúlias dos intelectuais coimbrinhas são agora ouvintes, mais ou menos atentos, das conversas em español, français, english ou italiano.

São as 15:02, entra! Chega coradita, apesar de ter nascido em Julho, nunca suportou muito bem o calor. Vê-me, dirige-se até mim… reparo que tem enganado bem as diabruras da idade nestes 52 anos. “Parabéns, velhota!” digo-lhe com carinho. "Velhota?!" riposta com ar pícaro. Duas beijocas. Sabendo que, como a maioria dos Portugueses, sabe beber e disfrutar do café, faço-lhe a pergunta retórica do costume: “Queres um café?”

2 comentários:

A.Simões disse...

Ele há Coisas!...Coincidências!..

Foi a 1.º vez que passei por aqui e hoje mesmo almocei com a Aniversariante e um grupo de Amigos. Sou avô (não reformado), também passo pelo Santa Cruz e tenho 1 neto André.
É giro não é...
Um abraço para a Catalunha daqui dos moinhos da serra de Atalhada.

Anónimo disse...

Quando a tua mãe disse que tinhas um blog, pensei que a coisa fosse mais de brincadeira, mas depois desta visita tenho que o colocar entre os favoritos.
Vamos aqui a um desafio, passarei a comentar, vamos ver se descobres quem sou... não sou grande coisa, mas, fiquei deveras surpreendido com o talento oculto.